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O Wikileaks divulgou uma série de documentos relacionados às negociações secretas do
Acordo de Comércio sobre Serviços, ou TISA, na sigla em inglês. Trata-se de uma negociação que envolve 52 países – dois terços do PIB Global – e tem por objetivo básico a ampla liberalização de setores como transportes, telecomunicações, internet, saúde e, especialmente, financeiro.
A lógica principal é que as empresas estrangeiras devem ter o mesmo tratamento das nacionais. Daí que o núcleo do tratado seja que seus participantes não devem adotar “limitações em participação de capital estrangeiro em termos de limites percentuais de ações ou sobre o valor total de investimento estrangeiro individual ou agregado”. Os documentos podem ser acessados em www.wikileaks.org/tisa/.
Entre os envolvidos estão os Estados Unidos e a Austrália, seus proponentes iniciais, e os países da União Europeia, além de Canadá, Chile, Taiwan, Colômbia, Costa Rica, Hong Kong, Islândia, Israel, Japão, Liechtenstein, México, Noruega, Nova Zelândia, Paquistão, Panamá, Paraguai, Peru, Coreia do Sul, Suíça, Turquia e Uruguai.
A partir do texto-base, há anexos específicos para certos temas, como telecomunicações e comércio eletrônico, que obrigam os países que firmarem o TISA a abrir mão de políticas minimamente nacionalistas. Nesse terreno, um dos exemplos é a expressa a vedação a qualquer tipo de favorecimento a empresas públicas no setor de telecomunicações.
O Brasil, assim como demais parceiros dos BRICS – Rússia, Índia, China e África do Sul – não faz parte das tratativas, embora pelo menos dois sócios do Mercosul, Paraguai e Uruguai, estejam entre as 52 nações em negociação. Caso estivesse, o exemplo de telecom atingiria diretamente a política adotada após as denúncias de espionagem feitas por Edward Snowden, que restringe à Telebras e ao Serpro a gestão das redes e aplicações de comunicação de governo no Brasil.
Mas não só. Os termos vazados pelo Wikileaks mostram outras propostas que conflitam com políticas brasileiras. Uma das mais evidentes está no artigo que veda exigências de “transferência ou acesso de código-fonte de software como condição à prestação de serviços em seu território”. É exatamente o que o Ministério do Planejamento, via SLTI, tenta incluir na regulamentação sobre compras públicas de tecnologia da informação e comunicações.
Esse tipo de medida pode ser visto de forma ainda mais abrangente. Uma das interpretações do Wikileaks é que impedir acesso a códigos-fonte, ou adotar políticas mandatórias de software livre, dificultaria aos diferentes países identificar a existência de backdoors, as ‘portas-dos-fundos’ para acesso que os Estados Unidos vêm cobrando de desenvolvedores como Apple ou Google – e que já exigem, por lei, em equipamentos de telecom.
Ainda outra medida prevista no TISA remete a um tema que chegou a ser cogitado no Brasil e que deve voltar à tona quando for apresentado o projeto de lei sobre proteção de dados pessoais. É que o tratado propõe impedir a exigência de armazenamento de dados dentro do território nacional dos envolvidos, ou mesmo o uso de capacidade de processamento local. Nem mesmo informações pessoais poderiam estar sujeitas a esse escopo.
Os BRICS estão fora, mas o TISA busca contornar o insucesso de negociações multilaterais na Organização Mundial do Comércio, particularmente da Rodada Doha (na qual o Brasil foi ator de destaque). Desde 2001 os países centrais tentam ampliar acesso ao mercado internacional de serviços, enquanto os países em desenvolvimento exigem não só cautela como contrapartidas no comércio agrícola. A lógica é de que um acordo entre dois terços da riqueza global acabe, com o tempo, obrigando a adesão dos demais.
Fonte: Convergência Digital
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